Como assistir a um show do The Who com um público imbecil

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Tudo começou ainda na apresentação do The Cult, banda britânica que antecedeu a grande atração da noite no Allianz Parque em São Paulo (antes, houve o show do Alter Bridge, o qual não consegui assistir).

Com uma carreira longínqua e tendo feito muito sucesso no país nos anos 80 e 90, o grupo liderado por Ian Astbury e Billy Duffy tem hits suficientes para preencher uma hora de palco, o que de fato ocorreu.

Porém, tirante o fato de alguns fãs de longa data dos ingleses estarem aqui e acolá o esforço hercúleo de Ian para tentar agitar o espectador (que nem de longe lotou o estádio para a primeiro edição do São Paulo Trip) não surtia efeito nem com a reza brava indígena que o vocalista evoca durante seus shows.

E olha que seu vocal ainda continua intenso e suas alterações de timbre com o microfone fazem valer o fato de ser o líder do Cult. É claro que um eco meio irritante atrapalhou um pouco a qualidade da voz de Ian, mas essa potência em conjunto com a guitarra bem executada por Duffy tinham tudo para levantar qualquer morto-vivo presente na arena palmeirense.

Pois eis que durante todo o show o rapaz tentava ser o mais agradável possível e, no máximo, conseguiu aplausos acanhados depois de alguns sucessos.

Até aí meu pensamento era de que as pessoas estavam se guardando para o prato principal da noite.

Passado o intervalo e a chegada triunfante do The Who e a sensação era de que tudo iria mudar com respeito ao público, mas isso não durou nem três canções.

A entrada fenomenal com “I Can’t Explain” já trazia um pouco de minha frustração com quem foi ao estádio assistir ao evento, pois mal Roger Daltrey, Pete Townshend e o restante dos músicos subiram ao palco, os malditos smartphones já entraram em cena. Claro que isso não é nenhuma novidade, mas por ser uma apresentação histórica ainda relevei pela necessidade de todos terem um registro do acontecimento.

É importante salientar que tanto a voz de Daltrey quanto a perícia de Townshend com a guitarra continuam quase intactos, além de se servirem muito bem do papel secundário realizado, principalmente por Zak Starkey (baterista filho de Ringo Starr) e pelo restante do grupo de instrumentistas.

Outro ponto a favor do show atual do The Who é a completa confluência de todos os integrantes com a produção visual. Tanto os vídeos antigos quanto os de efeitos meramente ilustrativos são ótimos e se encaixam perfeitamente no som da banda.

Mas voltando ao papel decisivo do público para acabar com essa experiência fantástica a partir da terceira música, “Who Are You?”, uma dupla formada por um protótipo de nazista e um outro babaca qualquer começaram a falar ao meu lado (estava na pista, no meio do povão) incessantemente sobre suplementos alimentares e outros assuntos menos interessantes enquanto tudo aquilo rolava em nossa frente.

Claro que minha paciência não durou dez minutos e sai dali. Percebam que já sou baixinho e quando consigo um lugar bom no meio da pista é difícil ter de me deslocar. Mas pra parar de sofrer foi esse o jeito encontrado.

Mais adiante consegui me encaixar num outro bom espaço e um casal começou a se lambuzar nos lábios um do outro. Nada contra a troca de ósculos, mas o que chateou foi a cerveja da moça que toda hora derramava em minhas pernas. Não era mais provável minha permanência ali e segui caminho novamente.

No próximo posto em que me fixei foi o momento em que consegui ficar mais tempo e os clássicos “My Generation” e “Bargain” puderam ser apreciados com bastante tranquilidade, mas esta foi embora quando outro marco da carreira do grupo foi alçado em nossos ouvidos. Com o início de “Behind Blue Eyes” as famigeradas câmeras dos celulares foram acionadas novamente, só que desta vez para gravar a canção inteira. Não bastasse ser menor que os outros e agora ainda teria os sovacos de todos bem próximos ao meu nariz.

Mas eu já tinha desistido de andar mais alguns quilômetros para tentar curtir em paz as últimas canções da apresentação.

E dá-lhe gente mandando mensagem de texto com a selfie devidamente editada para esconder a feiura humana, e mais cerveja sendo derramada no meu pé que devia estar sendo confundido com deposito de resto de cevada. Mas nada se compara com os infelizes errantes que surgem e somem do nada enquanto “You Better You Bet”, “The Rock” e “Amazing Journey” rolam soltas a poucos metros de distância de nós. Os tais caminhantes brancos parecem nem compreender o que está diante de seus olhos e ouvidos para preferirem andar centenas de metros a cada cinco minutos em busca de um malfadado copo de Itaipava.

Aliás, que benção, no meio desse terror todo, pois assistir a um show em que a patrocinadora é esta marca de cerveja é muito bom já que não gastei um centavo durante minhas quase quatro horas lá dentro.

Por fim, não poderiam faltar os inúmeros pisões que ainda hoje calejam meu pé que antes de “Pinball Wizard” emendada em “See me Feel me” e “Listening to You” (para arrematar a obra prima “Tommy”) já passavam de dez.

Ainda deu tempo de curtir com muito prazer num momento bem catártico as lindas “Baba O’Riley” e “Won’t Get Fooled Again” e finalizar a primeira parte do show em alto nível.

 Porém, logo depois, no bis com “5:15” e “Substitute”, muitos imbecis só queriam saber de tirar aquela última foto de costas para o palco.

Enfim, é bem visível que de todos os públicos que há no Brasil o mais desinteressante para os artistas sempre foi o perfil coxinha do paulistano, mas de tempos para cá esse negócio tem se tornado insuportável.

Talvez a própria mudança em alguns estádios de futebol já vinha oferecendo uma visão mais ampla desse tipo de gente que começa a povoar locais que antes eram apenas oferecidos àqueles que realmente gostavam daquele tipo de cultura.

Porém, no que diz respeito a concertos de rock, o preço a ser pago nunca foi barato e nem por isso o povo era tão babaca assim. O que tem acontecido por aqui realmente é surreal.

E olha que muitos aspectos estão sendo relevados em minha análise, pois o próprio uso dos celulares, se realizado com moderação, não altera em nada a experiência de assistir a uma apresentação musical, porém o negócio tem acontecido quase de modo masturbatório e isso irrita demais.

Portanto, quanto ao show só posso dar 10 à performance da banda como um todo e à produção por trás da atividade visual do concerto. Com relação à produção do festival (que peca muito em não colar o nome São Paulo Trip como uma marca) fica a desejar por causa do som que não é dos melhores e não dá para entender quem foi a criatura que achou por bem enfiar umas caixas acústicas no meio de enormes torres laterais bem no centro do campo. Isso só proporcionou ecos durante toda a apresentação.

Por fim, como não poderia ser diferente após todo esse relato, a nota para o público imbecil que lá compareceu só podia ser zero. E que nós paulistanos não deixemos aqui virar, além de túmulo do samba, também um mausoléu do rock.

 

Set List completo da Apresentação:

 

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1 – I Can’t Explain

2 – The Seeker

3 – Who Are You?

4 – The Kids Are Alright

5 – I Can See For Miles

6 – My Generation

7 – Bargain

8 – Behind Blue Eyes

9 – Join Together

10 – You Better You Bet

11 – I’m One

12 – The Rock

13 – Love, Reign O’er Me

14 – Eminence Front

15 – Amazing Journey

16 – Sparks

17 – Pinbal Wizard – See Me Feel Me – Listening To You

18 – Baba O’Riley

19 – Won’t Get Fooled Again

Encore:

20 – 5:15

21 – Substitute