De boas intenções…

Nova minissérie da Globo aposta nas inúmeras citações.
 
 
"Queridos amigos" tem início sem muito rumo
 
A nova minissérie da Globo tem tudo aquilo que uma boa minissérie deve ter: bom elenco, boa produção e boa trilha sonora, portanto é interessante, certo? Nem tanto. Pode-se dizer que a ideía é ótima – amigos que não se vêem há muito tempo se reunem por conta de um problema que os fará lembrar de fatos passados juntos. Realmente parece algo muito original (a história tem base na vida da própria autora, Maria Adelaide Amaral), mas se voltarmos alguns poucos anos lembraremos de "As Invasões Barbaras" de Denys Arcand que tinha a mesma premissa de ter um doente terminal, a reunião dos amigos, a queda deles pela esquerda, o contraponto com o imperialismo e algumas outras coisas menos marcantes. No caso de "Queridos Amigos" há muitas citações pop, muitas citações de ícones da esquerda (Che, Lula, Comunismo, Socialismo), porém se perde na construção dos diálogos que parecem apenas ser escadas para as tais citações e se esquecem de produzir uma coerência mínima para conversas na praia, na video locadora ou em qualquer local da rotina das personagens.
Pode ser que aos poucos o programa entre nos eixos, assim como já aconteceu com outras minisséries do canal, mas o fato de já ter em seu plano central algo já usado em um filme, no qual parece ter caído melhor, é um ponto a menos para seu sucesso. Pode ser que a minissérie não segure o tema por tanto tempo. É esperar para ver ou desistir se a coerência e a coesão da história não surgirem.
 

Qual é o maior problema?

Foto de Obama causa polêmica.
 
Qual é o maior problema?
 
Não sei o que é pior nessa história toda de aparecer atal foto de do presidenciável Obama. Se foi o staff de Hillary Clinton que soltou a foto na mídia não passa de sujeira das boas, mas não deixa de ser relevante e até certo ponto constrangedor a pronta revolta da cúlpula do senador democráta parecendo negar que ele é negro e que poderia a qualquer momento manifestar alguma forma de cultura de suas raízes.
A questão é a seguinte: A todo momento Obama tem de negar que é mulçúmano quando não deveria ser requesito básico a pessoa não ser de uma determinada religião ou crença para ser presidente de um país.
Temos a possibilidade de ter uma quebra de tabu sendo o presidente eleito Hillary ou Obama, mas o processo está tomando um rumo que se torna nocivo para ambos, para a democracia e para o bom senso. Mcain ri a toa do outro lado…
 
 
 

Falando sobre Promessas de início de ano (atrasadas)

 

Citação

Promessas de início de ano (atrasadas)

Sei que é o tipo da coisa que fazemos todo dia. Mas estou prometendo a mim mesmo que me dedicarei mais ao blog e a sua atualização, senão diária, periódica. O fato do ano letivo ter começado também me impele a ser mais contumaz na redação mais contínua desse diário. Como leio muito as mais diferentes informações todo santo dia vou tentar ser o mais honesto possível e dar crédito às notícias encontradas em locais alheios. Garanto que daqui só sairá opinião própria ou bem abalizada, algo para utilização nas minhas aulas ou as futilidades de sempre que nunca são inuteis por completo.

Promessas de início de ano (atrasadas)

Sei que é o tipo da coisa que fazemos todo dia. Mas estou prometendo a mim mesmo que me dedicarei mais ao blog e a sua atualização, senão diária, periódica. O fato do ano letivo ter começado também me impele a ser mais contumaz na redação mais contínua desse diário. Como leio muito as mais diferentes informações todo santo dia vou tentar ser o mais honesto possível e dar crédito às notícias encontradas em locais alheios. Garanto que daqui só sairá opinião própria ou bem abalizada, algo para utilização nas minhas aulas ou as futilidades de sempre que nunca são inuteis por completo.

Coisas do além-túmulo

 

Revirando minhas coisas aqui em casa achei um trabalho feito para um congresso na Unicsul em 2004, que me valeu muitos elogios e que foi realizado em parceria com alguns amigos do curso de Letras, além da orientação magistral de minha professora mestre Wilma Rigolon. A pesquisa apresenta uma análise sobre a cultura e a linguagem dentro e fora do nosso país. Quem tiver curiosidade e tempo para dar uma olhadinha o trabalho ficará abaixo.

 

Dhiancarlo de Oliveira Miranda *

Fátima Aparecida Neves Mendes Moreira**

José Geraldo da Silva*

Wilma Rigolon***

 

Língua-Cultura-Literatura: tríade discursiva que processa e sedimenta a memória e a identidade de um povo

                                                  

                           “A natureza (…) não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra” (Aristóteles).

 

     Partindo-se do pressuposto de que a língua é fenômeno social e cultural e constitui elemento de identificação do falante com sua comunidade, objetiva-se, com este trabalho, apresentar sugestões para discutir a importância da língua como fator de identidade nacional.

     Para tanto, faz-se necessário, inicialmente, explicar o conceito do termo cultura a partir de sua etimologia. Na obra “Dialética da Colonização”, Alfredo Bosi apresenta que o étimo cultura deriva do verbo latino colo, com duas vertentes: eu moro ou ocupo a terra e eu cultivo o campo; assim, colônia é o espaço que se está ocupando, com a forma nominal cultus, sinal de que a sociedade que produziu o seu alimento já tem memória. Cultura seria, então, o “conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para coexistência social, herança de valores e objetos compartilhados por um grupo humano relativamente coeso” (2001).

     Quanto à sua definição, cultura é o conjunto de padrões, de idéias, conhecimento e comportamento que se relacionam a um determinado grupo social. A cultura, na Sociologia e na História, aparece como produto de ação criadora nos elementos que compõem uma sociedade, pois só o homem tem a capacidade de criar cultura e desenvolvê-la em todos os campos, quer seja na sua estrutura teórica ou na prática. Além disso, pode proporcionar à pessoa o saber artístico e científico, tendo por finalidade o desenvolvimento das instituições sociais, já que a formação é imprescindível para o crescimento moral e intelectual.

     Uma outra definição de cultura liga-se ao cultivo, à agricultura, à lavoura. Uma terceira contempla a erudição, o conhecimento.

 

 

  • Alunos do 6° semestre do curso de Letras- manhã- 2004-Fatema.

** aluna do curso de Pós-Graduação em Língua e Literatura-2004-Fatema.

*** Mestre em Língua Portuguesa, Professora das Faculdades Integradas Teresa Martin.

 

 

     Sintetizando, a cultura é um dos elementos primordiais para que se possa entender o desenvolvimento (ou não) de uma sociedade, de um povo e de uma nação. Não se pode compreender os caminhos atuais de um Estado constituído sem que possa haver uma verificação na história de sua luta, erros, evolução política, migração e imigração das pessoas em seu território e, indubitavelmente, de sua cultura.

     É necessária uma análise internalizada da cultura de uma nação, até porque as especificidades de cada sociedade para com o cultivo de suas culturas impedem que se realize uma medição de melhor ou pior, maior ou menor, ou seja, a cultura de uma aldeia no sudoeste da África não pode ser comparada com a da América do Norte.

     Pode-se considerar, outrossim, que a cultura é utilizada de diversas formas, desde o direcionamento às classes dominantes, que institucionalizam sua disseminação a ponto de privar o proletariado da sua benesse, até a verificação de uma cultura de cunho popular e que sofre discriminação a ponto de ser considerada sub-cultura. Isso só ocorre devido ao fim politizador que alavanca a mentalidade do ser-humano a uma maior solidificação de sua criticidade.

    Portanto, a cultura só pôde ser mais bem fixada pela sociedade após o advento da linguagem e, principalmente, da escrita, com sua permanência histórica e fixação da memória de um povo. Anteriormente, já havia uma série de costumes que puderam, inclusive, fazer com que acontecesse a evolução do homem de Neanderthal e, passando pelas seqüências imaginadas (e provadas) por Darwin, que acrescentaram ao intelecto humano habilidades que garantissem a repetição de seus atos, para a sobrevivência e a perpetuação da espécie.

     Imagine-se, então, o homem sem a cultura da caça, sem a agricultura, sem a criação de diversos costumes que possibilitaram, através da criatividade (capacidade para resolver situações adversas), seu reinado sobre as outras espécies.

     No Brasil, especificamente, há duas maneiras de se entender a cultura; uma é buscando elementos culturais impostos pelos europeus que aqui chegaram após a colonização, produzindo uma esquematização da evolução de seu culto até os dias de hoje. Por outro lado, pode-se constatar o choque ocorrido com a chegada dos mesmos europeus em uma sociedade já constituída e a enorme confusão engendrada em cabeças que veneravam a natureza, viviam da pesca e da caça, conduziam vida comunitária bem diferente, e frise-se, que foram OBRIGADOS a seguir outra linha de pensamento. Em nações que tiveram esse choque cultural observa-se um lento processo de readaptação ao que se pode chamar de cultura própria, mesmo que não haja essa possibilidade.

     Como afirma Bakhtin, para se entender as artes e, por conseqüência, a cultura, é preciso uma “nova visão da linguagem como sendo um fenômeno enraizado nas particularidades históricas de enunciações específicas… a favor da arte como uma espécie de relacionamento, um ato de comunicação” (1998). Portanto, deve haver uma situação de interação entre o indivíduo em relação à sociedade em que vive com uma afeição pelo ambiente, ideais, educação, para dialogar com a cultura existente.

     Nessa perspectiva, é a memória de um povo ou de uma nação que passa pela cultura, pois é ela quem define os caminhos para mutações, evoluções e, até mesmo, perpetuações nos vários segmentos da sociedade. Há, também, uma ligação intrínseca entre a cultura e a linguagem, favorecendo, especialmente no caso do Brasil, uma aproximação com o regionalismo. Isso explica as diferenças entre as culturas populares do sul com as do norte do país. Caracterizam-se, mais do que isso, os entendimentos diversos em cada região, fortalecendo particularmente a cultura no interior, em comunidades onde as relações humanas são mais íntimas, e não há dominação da comunicação fácil, sem mediações, como é o caso da televisão e de outras mídias. Não se coloca uma crítica ao veículo televisão, mas sim a forma como é usada para a alienação do telespectador.

      Em suma, a cultura como transmissora da memória à sociedade funciona como termômetro da situação histórica que, através do aumento ou da diminuição de sua prática, fornece um parâmetro da condição educacional e, em termos de linguagem, mostra a perpetuação de um povo e de seus costumes.

     Dessa maneira, a língua, como sistema simbólico de uma comunidade lingüística, a linguagem como atividade discursiva e cognitiva e a literatura, com suas funções formativa e crítica, engendram as condições de possibilidade da plena participação social.

     A trajetória histórica da linguagem remonta aos registros das pinturas rupestres da pré-história, que relatam a organização social dos indivíduos daquela época. Uma sucessão de descobertas, pesquisas e estudos (os hieróglifos, o primeiro sistema de escrita, a oratória e a retórica, a primeira descrição fonética, a primeira língua institucionalizada como nacional – o Latim, a primeira gramática e todo o conjunto de investigações, observações e análises que se seguiu) averbam a necessidade do homem de dominar os recursos e os mecanismos da linguagem.

     De fato, a linguagem verbal e a não-verbal são responsáveis pelo desenvolvimento social, político e cultural do homem; são a base do processo de comunicação em que a humanidade se descobre e revela seu próprio mundo. O homem, como ser social, utiliza a linguagem para comunicar-se, transmitindo e recebendo pensamentos, sentimentos, aspirações e vontades, num jogo de reciprocidade e divergências através do estabelecimento de determinado discurso: o eu interior/exterior de cada um atuando sobre o eu interior/exterior do outro (a subjetividade da linguagem). Assim, a linguagem é a forma de interação que, mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, constitui-se como um lugar de interação humana num jogo de compromissos.

     Dentre os vários instrumentos para comunicar sua linguagem, o homem constituiu a língua, como um sistema de signos que faculta aos membros de uma comunidade a possibilidade de comunicação. É um sistema de sinais orais ou escritos convencionais que os indivíduos utilizam para a comunicação, cada um a sua maneira. O homem nasce cercado de signos lingüísticos e inúmeras possibilidades comunicativas tornam-se concretas pela imitação e associação, e, desta forma, o homem começa a formular sua comunicação verbal, instalando-se uma situação de intercâmbio através da língua.

     Observa-se que a propagação de idéias e, até mesmo, de estados de espírito, é transmitida pelos mais diversos canais: televisão, cinema, imprensa, rádio, telefone, telégrafo, cartazes de propaganda, desenhos, música, informática. Nessa perspectiva, a sociedade contemporânea apresenta uma multiplicidade de valores, imagens e enunciados que determinam a heterogeneidade discursiva, constituindo verdades que afetam os sujeitos e que concorrem para sua identidade.

     Por isso, a dinâmica social de que a língua é suporte não se restringe apenas às relações diárias entre os membros de uma comunidade, como envolve também uma atividade intelectual (conjunto de trabalhos ou tarefas em que predominam a inteligência e a razão). Engloba desde o movimento contínuo de informações, conhecimentos, instruções dos meios de comunicação de massa, até a vida cultural (conjunto de experiências humanas adquiridas pelo contato de conhecimentos sistematizados) e a vida literária (conjunto de trabalhos literários de um povo ou de uma época). Portanto, língua e sociedade formam um conjunto que sedimenta a história da humanidade: sem língua não há sociedade, sem sociedade não há história.

     A representação significativa de imagens da realidade (sistema de signos convencionais) possui um intervalo de tempo entre um ato e outro constituído de um conjunto de idéias, crenças, convicções que orientam ações. A ferramenta usada para essa representação é a palavra “como signo ideológico por excelência” (BAKHTIN, 2003). A palavra, na sua manifestação de forma e de uso, pode ser inferida como discurso, pois é na e pela linguagem que o homem se constitui objeto, ou seja, tudo aquilo que pode ser percebido pelos sentidos externos e pela inteligência.

     Nesse panorama, considera-se que o discurso é o lugar de investimentos dessas propriedades humanas – sociais, históricas e ideológicas. “É um espaço em que o saber e o poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar a partir de um direito reconhecido institucionalmente, um jogo estratégico de ação e reação, de pergunta e resposta, de dominação esquiva e de luta”.(Foucault) Portanto, a linguagem (e a língua) enquanto discurso é a pragmática de um procedimento de propriedade exclusiva do ser humano, não como igualdade de forma e uso, mas como interação.

     É no texto escrito que se encontra uma manifestação verbal do discurso numa situação concreta de enunciação. A unidade do texto é um efeito discursivo que deriva do princípio do autor, que funcionaria como uma das ordens reguladoras. Desta forma, representa uma disposição de coisas cujos arranjos se subordinam a um princípio útil, agradável e harmonioso por meio de sujeitos interagindo em situações concretas, considerando-se os investimentos sociais, históricos, ideológicos e psíquicos. Nesse caso, o autor não é aquele que fala, que pronuncia ou escreve, mas é o instaurador do processo de procedimentos do agrupamento da dispersão de textos enquanto ordenação e procedência de suas significações. Coloca fora de ação um “eu” (subjetividade), marcado pela separação.

     E a literatura, concretizada através da linguagem, estabelece a língua como seu instrumento de comunicação; uma prática discursiva que constitui o social e o textual do discurso; “é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições do exercício da função enunciativa”.(Foucault)

     Em síntese, estabelece-se uma tríade que se apropria legitimamente das condições do discurso: o uso da linguagem, uma maneira significativa de produzir discursos e o discurso que envolve certas condições ou alguns elementos, tais como: um locutor (autor/escritor) que assevera sua posição histórica; um alocutário (leitor) para quem se diz o que se tem a dizer; um referente, determinado pelos sistemas semânticos de coerência e restrições; uma forma de dizer – uma determinada língua com suas estratégias para se dizer; um contexto em sentido estrito; as circunstâncias imediatas; o aqui-agora do ato do discurso; um contexto em sentido amplo, as determinações histórico-sociais, ideológicas, enfim, o quadro das instituições em que o discurso é produzido – a família, a escola, a igreja, a política, etc.

     Desse modo, parafraseando Maingueneau (1997), pode-se afirmar que a literatura concretiza as condições do discurso, não visando somente ao estudo das normas de organização dos elementos que constituem o texto, mas, principalmente, às formas de instituição de seu sentido.

     É possível asseverar que, através da leitura de obras literárias brasileiras, criam-se as condições propícias para esboçar um estudo histórico da formação da sociedade, dos valores éticos e morais que abarcam a memória de um povo. É por meio da leitura da palavra que se pode conduzir a uma interpretação do mundo; e essa palavra está inscrita no discurso literário, com seu contexto histórico, e no uso da língua escrita, como registro da memória para a formação humanística do cidadão.

      Segundo Marisa Lajolo (1982) “ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido do texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista”.

      Numa perspectiva bakhtiniana, a figura do destinatário se instala com o próprio movimento de produção do texto, na medida em que o autor orienta sua fala tendo em vista o público alvo. O texto é, assim, uma potencialidade significativa que se mantém em dia, levado a efeito por um leitor.

     “A leitura de um texto literário, com suas lacunas que permitem a participação do leitor, torna a literatura um discurso carregado de vivência íntima e profunda, suscita no leitor o desejo de prolongar ou renovar as experiências que veicula; constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo; supre suas fantasias; desencadeia suas emoções; ativa o intelecto, trazendo e produzindo conhecimento; é criação; é uma espécie de irrealidade que torna densa a realidade; torna o leitor observador de si mesmo”.(BRANDÃO e MICHELETTI, 1997).

     Assim, a obra literária é tanto mais rica, densa e duradoura quanto mais internamente o criador participar da dialética que está vivendo a sua própria cultura. Se os autores não tivessem atravessado longa e penosamente as barreiras ideológicas e psicológicas que os separavam do cotidiano ou do imaginário popular, as obras nunca poderiam ter sido produzidas.

    Enfocando, especificamente, a literatura, pode-se afirmar que se formou da palavra littera, ou seja, letra ou caráter da escrita ou escritura. Passa-se a conceituar literatura como a arte que concerne às letras, a arte de ler e escrever. A princípio, na sua forma, designava tudo o que era escrito: obras de caráter científico, teológico, filosófico, literário. Após várias e seguidas transformações sociais e históricas, tomou os seguintes significados: primeiro, no sentido etimológico formal – a literatura é vista enquanto bibliografia (médica, econômica, maneirista) e segundo, no sentido etimológico conteudístico, como uma forma de conhecimento (estético ou artístico, por oposição ao racional e ao científico). A literatura, enquanto conjunto de obras escritas, confundia-se com a própria história da cultura. Contudo, não é possível desvincular o entendimento do fenômeno literário da dinâmica da história e das suas condições socioeconômicas.

     A sociedade (como um todo) é formada por homens que a constituem, que têm idéias, que formam grupos sociais, cada qual defendendo seu ponto de vista em relação a essas idéias, que se somam ou divergem. Estabelece-se, dessa maneira, um sistema de atitudes que tem como objetivo a forma de relacionamentos; ou seja, o comportamento social entre os agentes sociais. A ideologia, assim, constitui-se como a combinação de dois sistemas: o de atitudes e o de idéias.

     Nas obras literárias, a ideologia apresenta um valor fundamental ao registrar os acontecimentos de uma época, de um determinado lugar (coisas que aconteciam naquele momento, naquele determinado lugar). E a literatura, como produto cultural, é um meio de transmissão cultural e histórico, e o escritor, por sua vez, torna-se um filtro ideológico, um sujeito que não aparece no discurso, não obstante esteja presente nele.

       Enfim, a literatura é o produto do homem que faz a História e a transforma, está contida na história e a contém. O homem detém o poder sobre seu passado nos registros de suas memórias e os textos literários são a reconstrução transformada das ações do homem.

     Bakhtin (1919) definia a arte como um evento, como a execução de uma troca, o choque de valores entre uma obra e sua audiência. Se literatura é arte, deve ser “olhada” no seu todo, na sua integridade total, “e não se localiza no artefato e tampouco nas psiquês do criador e do contemplador consideradas em separado; abarca todos esses fatores. É uma forma especial de inter-relacionamento entre o criador e contemplador em uma obra de arte. A arte participa do fluxo unitário da vida social, reflete a base econômica comum e entra em interação e troca com outras formas de comunicação”.

     Diante dessas concepções, busca-se, em alguns autores da literatura brasileira com suas respectivas obras, a figura do homem  no seu aspecto social, já que pode ser um dos meios de que se vale  para conhecer a realidade.  Alguns temas, como a terra, os conflitos sociais, a busca de salvação através do processo migratório/imigratório, determinam, assim como no arcadismo (fugere urben), o homem que busca a interioridade da sua essência para melhor saber de si e situar-se.

     A partir dessas considerações, na obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, configura-se o cotidiano nordestino em toda sua rudeza: o homem consumido pela terra que deveria dar o sustento vital: a água, que se torna elemento de sua devassidão, é a mãe de sua angústia.

     O patriarca Fabiano, nordestino pobre, ignorante, busca a sobrevivência, uma perspectiva de vida que talvez possa ser encontrada na cidade grande: “(…) Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? (…) Chegaria a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela”.

     Instala-se, então, o conflito: o sonho ou a realidade? Fabiano é o homem que foge das injustiças sociais, da miséria, da fome, da desigualdade, da seca que o transforma num sub-humano perdido num labirinto de coisas e fatos; é a constatação de um sentimento de rejeição – a terra estéril torna-o um ser também estéril, improdutivo. O homem não pode mais olhar a terra, pois é sua própria projeção, revelando seu caráter fraco diante das incertezas da vida. Ali não consegue fazer nascer mais nada. Graciliano Ramos registra nessa obra o homem social, um protagonista-problema que “não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo”.(BOSI, 1994).

     Se em Vidas Secas observa-se o homem rejeitando a terra e, por conseguinte, rejeitando um poder que a terra lhe conferira e lhe tomara, na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, o homem busca com a própria vida perpetuar esse poder pela propriedade da terra, pois esta lhe confere um conjunto de direitos e de reconhecimento – uma ideologia sócio-política num período de transição de poder (Monarquia e República). A literatura de Euclides quebra preconceitos que conferiam ao homem subdesenvolvido um caráter despido de vontade:

   

     “O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral A sua aparência, entretanto, (…) revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável(…). É desgracioso, desengonçado, torto. (…), reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. (…) Basta o aparecimento de qualquer incidente (…) transfigura-se. (…) reponta(…) um titã acobreado e potente(…) de forças e agilidade extraordinárias”.

 

      Surge, então, Antonio Conselheiro, um líder religioso fanático, mas a imagem perfeita do Salvador que presenteia seus seguidores com a terra prometida – Canudos -; a propriedade da terra defendida até o último homem. A força da terra seca o homem; o sangue em pó mistura-se ao pó da terra, fecundando-a; e essa terra infértil sublima-se à força humana, sorvendo a vida e gerando homens ressecados e fortalecidos pelo poder que essa terra lhes dá: um sertão que oferece o direito de propriedade, concedendo-lhe uma identidade.

      Já Guimarães Rosa apresenta o homem em seu aspecto metafísico; o eu sertanejo como o resultado de uma soma de sociais produzida por uma interação social. Carlos Eduardo Pereira Theobaldo, em seu trabalho Pequeno Mosaico do Sertão em Guimarães Rosa, explica que:

“(…) em Riobaldo encontramos todas as paixões humanas, o mítico e o real, o sonho e a verdade, nessa busca incessante que é o homem”.

     O sertão de Guimarães Rosa transforma o homem que, por sua vez, se transforma para garantir o poder sobre a terra. O sol do sertão resseca a terra e o homem, porém é a luz que irriga o coração do sertanejo.

     Em síntese, Euclides apresenta o poder social; Graciliano, o homem mudando o sertão e Guimarães, o sertão que forma o homem. Todos esses homens se socializam usando o mesmo instrumento: a língua. viva e mutante em que seu usuário é identificado e estratificado socialmente.

      Em contrapartida, os romances urbanos, como os de Aluísio Azevedo.

 (O Cortiço), Machado de Assis (D. Casmurro) e Alcântara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda), apresentam o homem urbano que não é movido pela terra, mas pelas convenções sociais, moldado e impelido pela busca de uma ascensão para satisfazer o outro, uma satisfação própria pela satisfação do outro em si. A terra é o caminhão para alcançar seu “status quo”.

      Machado de Assis apresenta o homem que sofre as pressões dos padrões convencionais da época. A terra, agora, é o espaço social. Em suas obras, a cidade de Petrópolis é retratada como a mais européia do Império. “Diziam os cronistas que era muito, muito chique… ideal para escapar ao calor (e aos problemas decorrentes de falta de higiene, água, esgotos… do Rio)". (Livro Vivo).

     Na obra de Aluísio Azevedo, primordialmente em O Cortiço, observa-se a luta dos excluídos, luta essa demarcada pelo chão do cortiço, um sertão urbano. As pessoas aspiram a uma ascensão social, desprendendo-se do casulo colonial e borboleteando-se em uma nação independente.

     Alcântara Machado apresenta uma comunidade industrializada, com outro tipo de homem, formada pelo universo da máquina. Assim, surgem os guetos do Bexiga, do Brás e da Barra Funda. A sociedade dominante agora é a sociedade dominada (imigrantes), e como operário o homem busca a posse da terra, através da aquisição de casa e de carro próprios, enfim, a independência econômica, sempre um modelo de terra como ascensão social.

     Dentro desse processo literário instala-se a fusão entre sertão e metrópole: o migrante/imigrante, em busca de trabalho, torna-se o produto dos cortiços e dos guetos. E a língua, como expressão individual, possibilita ao homem e ao seu ambiente social e nacional uma aceitação sincrônica e diacrônica: “existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem línguas como entidades históricas e como sistemas e normas ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma, senão a comunicação, finalidade instrumental, expressão para o outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo” (CUNHA, 1972:74).

      Em suma, é a terra que forja o homem e sua identidade nacional. Numa finalização antropofágica, o homem come as virtudes para formar virtudes; a terra come o homem para formar um novo homem que é, antes de tudo, um forte.

     Língua, cultura e literatura formam um liame indissolúvel, dimensionando a tríade discursiva que processa e sedimenta a memória e a identidade de um povo.

     Portanto, a leitura é um instrumento valiosíssimo para resgatar essa tríade. Há um mito que necessita ser desmistificado: que o brasileiro não lê. Pode-se, aqui, parafrasear um texto do apóstolo Paulo, quando afirma:

 Como crerão se não for anunciado o Evangelho”. Basta trocar os verbos: “Como lerão se não houver quem os incentive”

     Infelizmente, a escola tem perdido o seu papel de formadora de cidadão crítico e consciente. Professores que não lêem não são exemplos para o incentivo da leitura. Criam-se demasiadas justificativas para a falta de leitura: falta de tempo devido às jornadas exaustivas enfrentadas pelos educadores, condições financeiras desfavoráveis pelo alto preço dos livros, poucas bibliotecas, enfim, várias desculpas. Entretanto, muitos não admitem que não gostam de ler, que não têm interesse. Hoje, o mundo está informatizado, é preciso apenas acessar a Internet e há resumos de obras. Todavia, nada pode substituir o tato, o contato íntimo que o livro desperta enquanto papel.

     Diante desse pensamento, “a leitura de obras literárias institui o homem num processo de compreensão e intelecção do mundo e de si mesmo, pois diante do texto o homem não é passivo, ele ressuscita sua história num trabalho de desconstrução e reconstrução textuais. Essa interação leitor-texto se faz presente desde a origem do homem. A concretude do texto se estabelece no movimento da leitura, num trabalho de elaboração dos sentidos: se em sua superfície não se diz tudo, as suas lacunas (implícitos, pressupostos e subentendidos) deixam para o leitor o trabalho de preenchimento, num movimento de expansão e filtragem. A obra literária é um depositário da memória coletiva”.(BRANDÃO e MICHELETTI)

     Nessa perspectiva, é primordial atestar o papel da escola, pois é através do discurso do professor que se estabelecem as condições propícias para o desenvolvimento da cidadania, do sujeito que aprende a pensar e pensa para aprender, formando indivíduos para a necessária adaptação ao novo, com a real possibilidade democrática de universalização e acessibilidade ao conhecimento.

     É por meio da leitura da palavra que se pode conduzir a uma interpretação de mundo. E essa palavra está inscrita no discurso literário, com seu contexto histórico, e no uso da língua escrita, como registro da memória para a formação humanística do cidadão.

     Não se visou à elaboração de análise literária de obras, mas relacionar língua-cultura-literatura, como uma tríade discursiva que processa e sedimenta a memória e a identidade de um povo.

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1999.

AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1997.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal.São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972.

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

CLARK, Katerina e HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Editora perspectiva: São Paulo, 1998.

CUNHA, Celso. Língua portuguesa e realidade brasileira. São Paulo: Edusp, 1972.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, Publifolha, 2000.

CARDOSO, Silvia Helena Barbi. Discurso e Ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

GERALDI, João Wanderley. (org) O texto na sala da aula, São Paulo: Ática, 1998.

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MAINGUENEAU, Dominique. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MELO, José Marques de. História do pensamento comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.

MICHELETTI, Guaraciaba e BRANDÃO, Helena N. “Teoria e Prática da Leitura”, in Aprender e Ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997.

POLITO, André Guilherme. Dicionário de sinônimos e antônimos. Melhoramentos: São Paulo, 1994.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2001.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão-veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

SANTOS, José Luis dos. O que é cultura.  9º ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

 

 

 

 

                                    São Paulo – outubro de 2004

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO:

 

 

Este artigo visa apresentar a língua- cultura-literatura como uma tríade discursiva que processa e sedimenta a memória e a identidade de um povo.

 

ABSTRACT:

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE:

 

 língua- literatura- cultura – memória -identidade – história – povo

 

 

KEY WORDS:

 

 Language- literature- culture- memory- identity-history-folk