O carro em que estou tem cheiro de mofo, o acolchoado dos assentos está rasgado e estou praticamente sentado em um pedaço de papelão vermelho que colocaram para substituir o pano. O motorista à minha frente era um senhor, aparentava estar em seus 60 anos, ele tinha uma longa barba grisalha e uma boina tampando uma boa parte de sua cabeça, ela era xadrez e gasta. Ele uma vez ou outra olhava pelo retrovisor para me encarar, mas logo virava o olhar para a estrada novamente disfarçando. Ao olhar pela janela a primeira coisa que se via, eram altas montanhas acinzentadas, nuvens negras no céu e uma chuva forte que fazia um imenso estrondo ao cair no carro.
Ele para o carro em frente a um edifício colossal, ele manda eu sair, lhe entrego o pagamento e fecho a porta batendo com força, a chuva ainda caía forte sobre minha pele, corri até a porta do lugar e o taxi saiu arrastando os pneus ladeira abaixo. A porta a minha frente é de madeira, com desenhos feitos de metal e uma grande campainha vermelha, acima da porta tinha escrito “Manicômio – Colônia”, com letras grandes e mal colocadas. Toco a campainha, ninguém atende, toco duas vezes, nada, então em um impulso de medo de adoecer, aperto a campainha diversas vezes até ouvir barulho de passos em minha direção, recuo pra longe da porta e espero a pessoa do outro lado abrir, um rangido de ferrugem aparece e a maçaneta gira devagar, a porta se abre junto com um rangido e só vejo a pura escuridão à minha frente. Esse lugar é um antigo manicômio que fechou há muitos anos após a morte de 60 mil pessoas, graças à terapia de choque que era usada.
Fui até perto da porta novamente, dando passos largos e lentos, meu corpo por um momento no meio do caminho parou e começou a tremer, me senti apavorado e dei um passo para trás, fiquei lá, parado, olhando a escuridão que quase engolia a porta.
Juntei coragem e lembrei-me de minha irmã que ficou presa ali por anos, sendo obrigada a ter sessões de choque, dormindo agarrada em outros doentes para não morrer de frio, às vezes, nem comida lhe davam e ela ficava semanas definhando de fome.
Uma vez, li sobre um tratamento especial, que só davam para os pacientes que desobedeciam, ou que estavam em um estágio elevadíssimo de loucura, não sei muito sobre, afinal, eram apenas pequenos boatos, mas, diziam que o tal tratamento se chamava “Empalamento”, o paciente seria empalado do ânus até a boca, era um processo lento que podia demorar de 3 a 4 dias para a pessoa morrer. Fechei os olhos e respirei e com muita força eu consegui entrar, assim que pisei dentro do local, um homem, musculoso e bem baixo, albino dos cabelos negros, usando calças rasgadas e uma blusa preta arranhada com botas de couro gastas, surgiu da escuridão, ele me olhou dos pés à cabeça sem demonstrar nenhum sentimento.
– O que lhe traz a esse local, senhor? – sua voz era rouca e falhava muito. Sem nenhuma expressão ele continuou – mesmo que algo tenha lhe atraído, peço que se retire, aqui fechou muito tempo atrás, seus assuntos morreram quando ele fechou.
– Não posso ir, a chuva está mais forte do que nunca… – ele suspirou, e apesar de parecer um suspiro irritado, ele permanecia sem expressão.
– Certo, acho que temos um problema aqui – ele parou e pensou por um momento, olhando nos meus olhos – me siga, irei lhe dar um quarto para hoje. – antes mesmo de abrir a boca para falar algo ele começa a andar, a porta se fecha e o som ensurdecedor de um trovão toca, a escuridão agora engoliu os vestígios que antes tinham luz. O rapaz albino acende uma luz e faz um sinal de “por ali” com a cabeça, o sigo sem pensar duas vezes, ficar na escuridão sozinho é uma opção não cogitada. Corri até perto dele, observando as poucas coisas que a fraca luz permitia que eu visse, tinham milhares de molduras, sem nenhum quadro, sem pensar muito sobre, apenas continuei a seguir o homem. Subimos uma longa escada que ficava ao lado da cozinha, e então paramos em frente a uma grande porta de madeira. Ele puxou uma chave de seu bolso na calça e abriu a porta agressivamente, me assustando.
– Entre… se você sobreviver aqui, vai preferir ter ficado na chuva. – ele sorriu e me empurrou para dentro – não importa o quanto grite, nem eu, nem ninguém pode te escutar. – ele fechou a porta devagar.
O quarto era imenso, com uma cama de casal gigante com lençóis empoeirados e avermelhados. Travesseiros grandes e cheios, várias prateleiras com livros e uma poltrona em frente a uma grande janela que dava para um terraço que estava trancado. Deitei na cama sentindo meus músculos relaxarem, era bom deitar.
Eu tinha um plano: Examinar o local o suficiente para provar que a morte de minha mãe não foi um “acidente” desse hospital. Fechei os olhos e tentei tirar um cochilo.
Nessa noite eu tive um sonho estranho, um sonho que não era meu. Eu via uma mulher correndo, e correndo, em uma floresta que parecia infinita. E então ela para, em frente a uma árvore colossal, a mulher começa a rir, e logo ela fica gargalhando loucamente, parecia que ria de desespero. Ela olha para um galho da árvore, e encara uma corda, logo ela desaparece com o vento, e aparece morta pendurada na mesma corda, ela sorria, e parecia satisfeita com o acontecimento. Poucos momentos depois, uma multidão com tochas aparece, todos ficam decepcionados ao ver a mulher pendurada.
Acordei suando frio, e tremendo, sem entender nada. Olhei pela janela e ainda era noite, provavelmente de madrugada, me levantei e andei até a poltrona, a janela à sua frente era gigante, ia do rodapé até poucos centímetros antes do teto. Era uma péssima paisagem para uma péssima noite. Ouvi rangidos na porta e me virei assustada, a porta estava exatamente como antes, sem me importar muito, me viro para a janela novamente, e assim que viro levo um susto, na janela por fora escorria sangue, a chuva ia tirando os vestígios, mas era tanto sangue que nem tudo saía,
Caí pra trás assustado, ouvi uma gargalhada vindo de trás de mim e virei preparado para atacar, quando vejo a criatura que me encarava eu apenas fico parado. Era uma pessoa, a mulher do meu sonho, ela segurava uma corda e tinha marcas de machucados além do hematoma roxo que cercava todo seu pescoço, ela gargalhava exatamente como em meu sonho, ela olha no fundo dos meus olhos, e sinto todo meu corpo formigar, ela se aproxima e então eu me encolho e grito, assim que olho novamente estou sozinho no quarto, e não havia mais sangue escorrendo na janela. Um espirito mal encaminhado não vai me impedir. Me levantei fingindo para mim mesmo que nada havia acontecido minutos atrás. Sento na cama e coloco minhas mãos em meu rosto, respiro fundo, sinto uma mão em meu ombro e me arrepio.
– Isso vai passar, se passou para mim, passa para você… – levanto o mais rápido possível, ainda em choque, olho para a cama e não tem nada. O quarto é escuro, mas graças à luz da lua eu enxergo tudo no quarto, “deve ser a escuridão que está mexendo comigo”, é o que tento enfiar na minha cabeça.
Abro a porta devagar, soltando um rangido embaixo da porta, e olho pelos corredores sem sair do quarto, por lá é escuro e não tenho sequer uma vela, procuro uma vela entre as gavetas ao lado da cama, e por sorte tem 2 velas pequenas e uma caixa de fósforos. Coloco uma no bolso e acendo a outra, saio devagar do quarto e sigo pelos corredores à frente, os quadros agora tinham fotos, e todos dos quadros me observavam. Comecei a andar encolhida e com medo, escuto passos distantes dos meus, mas que iam aproximando, com medo e tremendo continuo andando, precisava achar o local que a deixavam.
Pelos documentos que eu li, as pacientes mulheres ficam na ala central, junto com seus banheiros e locais de tratamento, aperto meu passo e vou indo cada vez mais rápido, e quanto mais rápido, mais eu sentia um peso em meus ombros, parei em frente à ala “Mulheres – Woman”, senti meu peito começar a doer, abro a porta e um cheiro horrível sobe, as paredes do local eram manchadas de substâncias que não reconheci, o chão era imundo e de cimento, com apenas 3 camas uma em cada canto, aquilo era praticamente um cubículo, e todas as mulheres que foram internadas aqui passaram 80% do seu tempo presas aqui. Sinto minha respiração começar a falhar, maldita hora que meu pai casou com aquela maldita megera e deixou-a internar minha irmã aqui.
Entro de vez no local e procuro por vestígios de qualquer coisa, mas sinto que apenas aquele quarto provava muita coisa. Após olhar o ultimo canto que poderia ter algo, suspiro, vai ser mais difícil do que esperava. Me viro e quase caio novamente, tem cerca de 50 mulheres, acabadas, machucadas, sujas e desnutridas na sala agora, todas me encarando e sérias, usando as mesmas roupas, apenas com marcas de sangues em lugares diferentes, eu começo a hiper-ventilar e as minhas pernas começaram a perder a força, elas olhavam no fundo dos meus olhos pedindo por ajuda.
– Vocês já estão mortas… eu… não posso fazer nada… – sussurro, mas uma delas parece não ter gostado da minha resposta e se levantou horrorizada, veio correndo até mim, passando e chutando quem estivesse a sua frente, parou na minha frente, e eu caí no chão com o susto.
Ela não tinha olhos, apenas buracos sem nada. Uma lágrima cai, e eu me desespero, fecho os olhos e peço para que vão embora, e assim que abro os olhos, elas não estão mais lá. Saio correndo da sala e fecho a porta com tudo e com tudo isso minha vela caiu, peguei minha outra vela e acendi e continuei a andar, meu coração estava a mil. Não muito depois tinha a ala de tratamento, lá tinha que ter algo. Abri a porta, a porta arrastou no chão fazendo um barulho forte, até agora, mesmo com tudo isso, não havia me assustado tanto como me assustei com aquela sala, era um lugar coberto de cimento, no teto, no chão e nas paredes. O lugar fedia mais que o outro, e era mais apertado, tinha diversos instrumentos de “tratamento” espalhados e uma grande mesa com uma cadeira em frente no canto, e uma porta ao lado contrario da mesa. Entro e sinto um péssimo pressentimento, o clima era pesado e horrível, me senti mais desconfortável do que nunca, reconheci de longe a vara do “Empalamento”, aparentemente esse negócio existia mesmo, olho as gavetas na mesa, e encontro documentos de pessoas, “Jessica, Andreza, Ana Clara, Fabiana […]” e assim vai… procuro pelo nome de minha irmã, “Ana Paula”, seguro a pasta forte e com medo.
Nome: Ana Paula | Idade: 14 | Peso: 55 Kg | Altura: 1,60 | Problema: Esquizofrenia
A paciente está sendo tratada por recomendação da Madrasta, que a colocou aqui há um ano. Último tratamento: “Empalamento”.
Motivo: Ataques frequentes de pânico e recusa de tomar seu medicamento, além de não obedecer às ordens tentando fugir ou ficando até depois do horário acordada rindo sozinha e agredindo os funcionários.
Desabo no chão, ela tinha sido empalada. Ela, sem ter culpa de nada, morreu.
Começo a chorar, e então uma raiva sobe até minha cabeça, fecho os olhos e começo a chorar gritando, ouvi choros juntos do meu, choros tão desesperados quanto o meu. Escuto a porta fechar batendo e dou um pulo para trás, a porta ao lado se abre em um estrondo, vejo um homem barbudo de jaleco e uma mascara se aproximar, Ele para em minha frente e diz:
– Um resfriado valeria mais à pena. – e gargalhou me puxando pelo braço, me contorço, mas vejo o homem da entrada antes me segurar e ajudando o “médico” a me prender em um tipo de máquina, me contorci e gritei, gritei até minha garganta doer, usei toda minha força para tentar sair, mas foi em vão, eles me injetaram algo, e eu simplesmente dormi.
Depois disso, eu encontrei minha irmã.
Luanna Cotting Domenes 8º Ano D