O que é Brasilidade
na literatura?
Tenho relido alguns clássicos da literatura ultimamente, especialmente os brasileiros, reconhecendo uma tendência que há em todos os meios das relações humanas: Não é possível comparar o passado com o presente numa escala tal que se diga o que é melhor e o que é pior, antes ou agora, os autores clássicos ou os modernistas, nossa literatura do século XIX ou a forma como se escreve do novo milênio.
É claro que há a predileção por características de um ou de outro momento de nossa história, e que assim como ocorre no futebol alguns (ou muitos) preferem o futebol de Pelé e Garrincha ao futebol de hoje com suas estratégias e força física na frente da habilidade e do individualismo. Mas não se pode negar também a beleza de um belo jogo que prima pelo conjunto ou pela correta forma de se atuar de um time em campo. É questão, mais uma vez, de predileção.
Fato interessante é que são exaltados os nossos momentos em que acontece uma quebra de paradigmas no contexto histórico e social para um florescimento mais assíduo de uma literatura brasileira robusta. A passagem da Monarquia em que houve uma leve alteração na forma de governo e da visão das pessoas da corte carioca define uma explosão de bons escritores. Mesmo aqueles que já atuavam vão se modificando em sua maneira de pegar à pena no instante em que a rotina geral vai mudando: Mudanças constitucionais, libertação dos escravos, tudo isso altera a forma e reforma a escrita de Machado de Assis, para ficar num exemplo claro. O escritor fluminense tem sua maior liberação de criatividade a partir dessas adaptações por que passa a colônia portuguesa ao se parecer mais com um país.
Portanto, quando se fala das crônicas sagazes de Joaquim Maria, de suas histórias voltadas à análise psicológica das personagens, do pessimismo contido em seus contos e da ironia e sarcasmo onipresentes em todas as obras, parece que isso também ajuda a delimitar o escritor gêmeo de tantos outros até “Iaiá Garcia” e “Helena” chegando a um espetacular crítico da sociedade tupiniquim a partir de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Podemos citar outros escritores do quilate de Guimarães Rosa, que com sua estória mais modernista, “Grande Sertão: Veredas”, junta-se à ascensão da Bossa Nova e de Juscelino Kubitschek e alcança o posto de maior obra brasileira do século XX. Ou, quem sabe, vale notar a coincidência entre a “Semana de Arte Moderna” de 1922 e as eleições para Presidência da República, além do congresso para a fundação do Partido Comunista do Brasil e da necessidade de rebater os eventos da I Guerra Mundial.
Hoje, fica muito difícil estabelecer um marco fora de série para provocar rupturas, maneiras diferentes de se enxergar o Brasil ou o mundo, até porque o fato de vivermos o momento nos complica uma visão descompromissada de vícios ou de se apegar ao saudosismo. Temos ótimos escritores, tais como Moacir Scliar, Rubem Alves, Cony, Luís Fernando Veríssimo ou a nova fase de Chico Buarque ou até mesmo os mais novos: casos de Bernardo Carvalho ou de tantos outros. Mas não há dúvida que só teremos certeza da preponderância de todos eles daqui a algum tempo.
Portanto, a brasilidade que tanto se comenta ser necessária para uma literatura contemporânea é explicada através dos anos, por meio de uma lenta análise de quem mais tem interesse na sua vivacidade ou na sua morte: o leitor; alguém que pode destruir ou ressucitar os mais desiguais e os mais distantes de nossa realidade presente. Essa brasilidade pode ser, inclusive a não brasilidade com a adaptação de tendências advindas de fora, dos EUA, da Europa, de outras artes e até mesmo da negação da maneira como se vive hoje em dia. A globalização, talvez seja a culpada, mas talvez mesmo assim seja inocente.
Dhiancarlo Miranda