No último dia 10 foram completados 50 anos desde a estreia, nos Estados Unidos, do primeiro número da revista em quadrinhos X-Men, pela editora Marvel.
Desde lá, muita coisa mudou, tanto no universo dos personagens criados por Stan Lee e Jack Kirby, quanto no universo paralelo ao deles, ou seja, o nosso mundo real.
Dizer que as histórias desses mutantes liderados pelo professor Xavier são mágicas, intensas, criativas, além de causarem discussões sobre o preconceito, disputa de classes, política, direitos humanos, viagem espacial, debate sobre a medicina e a ciência geral, a análise do mundo e seu contato com a natureza, tanto do homem quanto do meio-ambiente, acaba sendo desnecessário para quem acompanha essa HQ há muitos anos, mas requer fazer um retorno ao passado para perceber o quanto essa saga foi influente em diversos campos da cultura pop mundial.
Stan Lee e Jack Kirby
As muitas figuras de linguagem coexistem em X-Men: A superequipe de heróis são uma metáfora para a adolescência e para os conflitos raciais do mundo. A imagem de que um adolescente está modificando-se como ser pensante é aflorada nas histórias de Wolverine e cia, e o preconceito que as pessoas diferentes sofrem por serem de outro lugar, por serem esquisitos ou por simplesmente serem mais inteligentes do que os outros, são superdimensionados pelos criadores da série.
Entender o contexto histórico dos EUA é importante para saber o motivo pelo qual os autores escolheram realizar essa gama de conflitos para serem discutidos num simples gibi para jovens. Naquele tempo, a América se encontrava num pandemônio com os protestos dos movimentos pelos direitos civis e na luta contra a segregação racial.
Treze dias antes do lançamento da revista, o pastor e ativista social negro Martin Luther King havia proferido o histórico discurso “I Have a Dream” (Eu tenho um sonho), em que pregava um país onde todos os cidadãos, independente de raça ou origem, pudessem conviver pacificamente nas mesmas condições. Será que você imaginou que a série, mais conhecida pelos meninos e meninas com menos de vinte anos, por causa dos filmes lançados desde 2000, seria tão profunda assim? Pois é, ela é, e há muitos ecos deste engajamento ao passar do tempo.
Martin Luther King
Já no nº1 da revista, há a apresentação do telepata mutante Charles Xavier recrutando jovens a fim de treina-los com o intuito de usarem seus poderes na luta por seu grande “sonho”: um mundo onde os mutantes pudessem viver pacificamente em coabitação harmoniosa com os humanos. Na mesma história, também é introduzido Magneto, o vilão (que por vezes se aliará por um boa causa a Charles Xavier) que se apodera de uma base soviética de misseis.
Com o passar dos anos, X-Men foi discutindo com maior profundidade o conflito entre os humanos e os mutantes. Isto sempre serviu como metáfora e comparação para a luta das minorias, especialmente nos Estados Unidos. O racismo passou a ser apenas uma das análises do quadrinho, pois as histórias agora abordaram assuntos como o antissemitismo, diversidade sexual, fanatismo religioso e até mesmo o macarthismo e o anticomunismo.
Personagens de todos os cantos foram aparecendo: Tempestade, Jean Grey, Ciclope, Fera, Colossus, Dentes-de-Sabre, Emma Frost, Mystica, Lince Negra, entre um infinidade de outros, sempre trazem consigo uma história pregressa.
A partir de 1970, a Marvel parou de produzir novas histórias, por conta do baixo apelo comercial que elas tinham, e apenas republicava as antigas, sem nem ter algum protesto pelo retorno das novas aventuras. Foi só com uma nova chance, quatro anos depois, que o grupo realmente entrou no caminho do sucesso.
A partir daí, com o auxílio de Chris Claremont (roteiro) e Jim Lee (desenho), a atividade sequencial dos personagens aguçou a simpatia dos leitores fazendo dessa revista uma novela em que o acompanhamento era necessário para entender seus desdobramentos. A inúmera fileira de sagas, criada a partir disso, reverberou o sucesso que hoje estes mutantes possuem e quadrinhos-solo dos personagens passaram a aparecer ano após ano.
HQ X-Men com colaboração de Jim Lee e Chris Claremont
Além disso, a Marvel se tornou uma poderosa empresa ao recriar os personagens através de bonecos, com a criação de álbuns de figurinhas e com a venda dos direitos das histórias ao cinema, até que percebeu o quanto isso era lucrativo e criou sua própria produtora cinematográfica, a Marvel Filmes.
Isso é explicado, principalmente, pelo sucesso da saga no cinema. Os mutantes foram retratados na tela grande e conseguiram quebrar um tabu de fracassos da Marvel nas telonas e, assim sendo, iniciaram uma nova fase de megassucessos de filmes inspirados em heróis de quadrinhos – que serviram também como tábua de salvação para a crise criativa que afetava Hollywood naqueles dias.
Cena do Filme X-Men (2000)
Portanto, antes de pensar que uma simples história em quadrinhos é tão simples assim, imagine o conglomerado de ideias, a gama de produtos lançados inspirados nesses mutantes, além da gigantesca máquina por trás deles, com os desenhistas, roteiristas, entre outros colaboradores do cinema, da editora, dos jogos de videogame e dos produtos licenciados, para dar uma opinião acerca deles.
Por fim, há milhões de bons leitores com pouco mais de trinta e cinco, quarenta, cinquenta anos, que deu uma passada d’olhos por essas histórias e se encantou tanto com os assuntos ali retratados que se aprofundou mais a respeito em outros livros específicos. Nesse sentido, a literatura agradece aos comandados do professor X por serem um ponto de partida para outras leituras.
E lembre-se: antes de proferir algo a respeito dos X-Men, pense sempre que haverá algum dos alunos da escola para mutantes lendo seus pensamentos.