O Humor escrachado fica triste sem Fausto Fanti

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O despojamento e a espontaneidade de “Hermes e Renato” era um oásis tão grande dentro do humor brasileiro que fiz cara feia quando os caras aceitaram um contrato com a Record, pois era óbvio que não teriam o mesmo espaço para fazer o que queriam como na época da MTV.

Dito é feito: não demorou a retornarem à emissora musical e ficaram por lá até a extinção do canal no ano passado (pelo menos aquela fase anterior).

A veia cômica da trupe vinha da tradição inglesa e texto anárquico do Monty Python e dos quadros escrachados do Saturday Night Live dos anos 70 e 80.

Muito provavelmente, Fausto Fanti, humorista do “Hermes e Renato” que faleceu ontem aos 35 anos, assistiu a muitos quadros de John Belushi e Eddie Murphy na época de ouro do programa apresentado há mais de trinta anos aos sábados noturnos da tv americana.

A maior contribuição do grupo brasileiro de humor era a capacidade de inventar e de se reinventar com apenas piadas, trejeitos e cenários precários. O que valia para eles desde o início era escrachar, zoar, fazer graça com tudo o que estava por aí.

Muitas criações deles como “Merda Acontece”, “Palhaço Gozo”, “Documento Trololó” e “Brasil Mulambo” brincavam com o dia-a-dia de um Brasil real que pode ser muito engraçado tal é a inverossimilhança dos absurdos que acontecem debaixo de nossos narizes.

Fanti conseguia ser engraçado apenas ao vestir uma peruca e até mesmo com textos curtíssimos que facilitavam o improviso e a atuação debochada e exagerada, algo que podia ser uma influência do próprio “Casseta e Planeta”, que surgira na TV um pouco antes dos caras do “Hermes e Renato”, também cariocas.

Até mesmo o sucesso alcançado com o “Massacration”, banda inventada para satirizar os grupos de Heavy Metal pelo mundo afora foi algo espontâneo, visto que a coisa ficou tão séria a ponto de possuírem fãs assíduos. Isso também era uma piada pronta já que eles criticavam justamente esse endeusamento a esse tipo de banda.

Fausto Fanti, junto com seus amigos de grupo Adriano, Marco Antônio Alves (Hermes) e Felipe Torres (Boça), já tinham feito algumas incursões de esquetes durante a Copa do Mundo para o Fox Sports e se preparavam para lançar um novo programa no Canal FX em março de 2015.

Hoje começa a festa literária de Paraty. Um viva a Millör

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Tem início hoje a 12ª edição da FLIP (Festa Literária de Paraty) com uma homenagem especial ao escritor Millör Fernandes.

Já no primeiro dia haverá uma entrevista dos integrantes do “Casseta e Planeta” Hubert e Reinaldo com Jaguar, na qual Millôr será o tema principal. O evento intitulado “Millormaníacos” ocorre às 19 horas.

Mas não é só de livros que o leitor viverá durante os dias frescos em Paraty. Há a programação de diversos shows de cantores nacionais ao final de cada dia.

Já hoje, Gal Costa, logo após a entrevista com os Cassetas, se apresentará às 21h30, no que está sendo chamado de primeiro show de abertura da história da FLIP sem que haja cobrança de ingresso.

O negócio perdura até dia 03 de agosto, mas amanhã já tem alguns outros destaques.

Por exemplo, tem o debate entre prosa e poesia, logo ao meio-dia entre a jornalista Eliane Brum e o humorista Gregorio Duvivier que prometem um acalorado debate sobre suas preferências literárias.

Outra oportunidade é ver o arquiteto Paulo Mendes da Rocha e o historiador de arquitetura italiano Francesco Dal Co participando da mesa “Paraty, Veneza no Atlântico Sul”, evento que acontece às 19h30.

Já na sexta, na Casa Folha, 17h, André Barcinski, em companhia do músico Guilherme Arantes, participa de uma conversa sobre seu novo livro “Pavões Misteriosos: 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil”.

Logo em seguida, o paquistanês Mohsin Hamid se envolve na discussão literária na mesa “Livre Como um Táxi” que acontece sexta às 17h15. O escritor falará sobre seu “Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente”, que não saiu ainda no Brasil.

Ainda na sexta, às 20 horas, Marcelo Rubens Paiva falará na FlipMais, sendo parte da programação da Casa de Cultura do festival literário para que haja posteriormente o encerramento do dia de debates, às 21h30, com Cacá Diegues e Edu Lobo discutindo o tema “2x Brasil”.
No sábado, penúltimo dia de programação, já às 10h30, o humorista Reinaldo e o cartunista Chico Caruso participam da continuação do FlipMais e à noite, no horário das 20h, o ator britânico Tim Crouch encena a peça “Noite de Reis”, em homenagem aos 450 anos de Wiliam Shakespeare.

O final de semana de Paraty termina com Fernanda Torres sendo a principal estrela do debate “Romance em Dois Atos”, a partir das 12 horas de domingo.

Como sempre, muita coisa ficará de fora da agenda de quem for à Flip e neste ano há um sério inconveniente com relação ao alto custo de hospedagem já que os empresários da localidade fluminense tiveram muito prejuízo com a expectativa não confirmada da Copa e despejam todas as esperanças do ano no festival literário.

Independente disso, ainda é possível aproveitar o tempo e se deleitar com os dias em que o sopro das letras e do debate de ideias ventará mais forte pelo litoral do Rio de Janeiro.

Veja a programação completa da FLIP no site oficial do evento: http://www.flip.org.br/

O Anima Mundi está por aí. Ainda dá tempo de ver

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Já acontece desde o dia 25 de julho com promessa de empolgar o público até o dia 3 de agosto, no Rio de Janeiro, a 22ª edição do Anima Mundi, considerado por críticos especializados o maior festival de animação das Américas.

Neste ano, com uma gama de 418 filmes, oriundos de 47 países diferentes, entre curtas e longas-metragens, serão exibidos durante o festival.

Há uma divisão de cinco mostras competitivas. São elas: Panorama, Portifólio, Curtas, Longas e Galerias.

Além disso, há a oportunidade de conferir cinco mostras que não participam de nenhuma competição: Futuro Animador, Olho Neles, Panorama Internacional, Animação em Curso e Longa-metragem Panorama.

Junto às exibições de filmes, o Anima Mundi promove exposições como a dedicada ao filme “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, vencedor do Festival de Annecy de 2014 e debates com os diretores Eric Goldberg, Bob Balser e Fréderic Guillaume, em alguns dias do festival.

Fora as rodadas de negócios e o estúdio aberto, no qual os cinéfilos podem realizar atividades para criar uma animação própria com a ajuda de monitores contratados pelo festival.

Elas estão separadas entre quatro locais diferentes: no Centro Cultural Light, na Fundição Progresso, no Espaço Itaú de Cinema Botafogo e no Oi Futuro Ipanema. Algumas sessões são gratuitas e outras têm ingressos no valor de R$ 10, com meia-entrada a R$ 5.

O Anima Mundi segue posteriormente para São Paulo, onde acontece de 6 a 10 de agosto, num único local, o Espaço Itaú de Cinema Augusta.

Acompanhe a programação completa pelo site do evento: http://www.animamundi.com.br/

Putrefação

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Morte e desespero
Entre a flecha e a injeção fatal
Tudo flui ao que tudo indica.
Tudo em dicas,
Difamação;

Plenitude de direitos
Violados por meio de lacunas impuras
Impugnável reflexo.
Olhos roxos,
Hesitação;

Surpresa, arrepio da lei.
Arreio do cedro
Compilados pelo abstrato.
Dedos lisos,
Fornicação;

Pobreza de espírito,
Sopro do inverno desmaculado.
Frígido frigir dos ovos
Sucumbindo ao odor,
Fixação;

Ao século bastardo
Basta a roupa do corpo.
Corruptela da palavra mínima,
Assombro de clarividências,
Detecção;

Arroubo de sorte,
Lista de corpos irremediáveis.
Brisa de veraneio que finalmente chega
Ao relento da gripe,
Absorção;

Peste imprevisível
E alcoolismo que consome
Deveras perigoso na mente.
Criadouro de poluente,
Recriação.

O que aprender sobre as prisões arbitrárias no Brasil

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Muito já se falou sobre as prisões de ativistas que vem acontecendo ultimamente no Brasil.

Hoje, em artigo especial para o UOL intitulado “Prisão de ativistas só serve para saciar a fome de vingança de setores raivosos”, o desembargador do Tribunal de Justiça e coordenador da Associação Juízes para a Democracia Siro Darlan põe um pouco mais de luz sobre a questão.

Não é uma opinião definitiva sobre o assunto (nunca uma opinião o é), mas também não é apenas um comentário de facebook.

Trata-se de um dos maiores especialistas em liberdade de expressão do país, um defensor da análise profunda e isenta dos processos para que não aconteça um absurdo como esse da prisão dos ativistas no Rio.

Não se poderia passar pelo tema da necessidade atroz do estado em aprisionar as pessoas pelo simples fato de reclamarem do governo sem que Siro Darlan seja ouvido.

A argumentação do magistrado para que fosse concedido Habeas Corpus aos previamente acusados pelo Estado do Rio de Janeiro colocou novamente os pingos nos “is” da justiça brasileira.

É incrível o silêncio que tomou conta de juristas, advogados e promotores de justiça a respeito da falta de critério utilizada pelos membros do governo que pediram a prisão preventiva de pessoas que tinham sobre seus ombros apenas a acusação de que iriam participar de manifestações ainda durante a Copa do Mundo realizada no país.

Ora, diante de situação tão non sense não podia ser verossímil que o negócio progredisse por um dia que fosse. Mas progrediu! O que importava era calar aqueles que estavam contra o governo.

Entenda bem, “contra o governo” e não “contra o Estado de Direito”.

Quem está contra o estado de direito é exatamente o governo do Rio e alguns representantes da Justiça.

Portanto, maior ainda do que a mudez dos magistrados nacionais foi o silêncio sepulcral da imprensa dessa nação. Que não fizesse nada a dona Globo ou os mega-empreendimentos jornalísticos, tudo bem. Mas que a imprensa mais independente (será que ainda existe isso?) ficasse fazendo cara de paisagem era mais esquisito ainda.

Nem o PSOL, nem os outros partidos mais à esquerda se posicionaram mais fortemente, com exceção honrosa a alguns comentários e atitudes do Deputado Jean Willis.

Do PT nem falo nada, já que esta agremiação anda de braços dados com a absurda aliança de Cabral, Pezão e seus asseclas, mas do PSDB nada ecoou, nem que fosse algum comentário infeliz só para ser contra o partido de briguinha deles.

Enfim, a atitude de Siro Darlan ao se posicionar bravamente contra o avanço de atividades ditatoriais dentro de um verdadeiro Estado Democrático demonstra que o que faltava até agora era alguém simplesmente ter coragem.

E é por meio dessa covardia intelectual que está tomando conta do Brasil que vamos levando a vida, pois o que tem interessado para a imprensa é aquilo que bate em Chico, mas que pode bater em Francisco (ou para ficar mais explícito, o que pode bater em Dilma, Aécio, Lula, ou FHC, quem sabe?!).

A luta pelo livre direito de se manifestar não deveria ser da classe estudante ou de uma parcela pequena da população. Esta deveria ser a ideia cravada na mente de todo mundo que mora dentro deste país.

A necessidade de se expressar deveria estar no âmago de qualquer canal de mídia ou imprensa, de qualquer partido ou movimento social.

Pelo jeito, as pessoas não gostam mesmo é de ser incomodadas por qualquer coisa que modifique sua rotina diária, seja por atrapalhar o trânsito ou por fazer barulho, o que importa é que ninguém gosta mesmo é de se sentir fora do caos organizado que a cidade proporciona e que o governo assina embaixo.

Ai de você se fizer uma manifestação por melhoria de condições no transporte público. O coro mais ouvido pela população será o de que “estão incomodando quem não tem nada a ver com isso”. Pois é, ninguém usa transporte público, certo? Mas voltando à realidade, mesmo quem não usa deveria se preocupar com a melhoria do referido serviço público.

Mas o preferível é permanecer na zona de conforto do que ter de lutar, todos querem revolucionar, mas ninguém quer ir para a frente de batalha para evoluir.

Paciência!

Enfim, o artigo de Siro Darlan vem em boa hora num país que já passou da hora de se indignar com a cessão de direitos dos cidadãos.

Ou paramos um tanto de nossa vida medíocre para dar um grito de vez em quando ou perdemos pouco a pouco esse direito de expressar nossa raiva e nosso descontentamento com o governo (qualquer que seja ele) e o desgoverno de seus malfadados feitos assim como suas maléficas ações corruptas.

A seguir, o link do artigo completo de Siro Darlan: http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/07/28/prisao-de-ativistas-so-serve-para-saciar-a-fome-de-vinganca-de-setores-raivosos.htm

Sem João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Suassuna cresce uma lacuna na cultura brasileira

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As últimas semanas têm sido especialmente cruéis para a classe pensadora e literária do Brasil.

A morte de João Ubaldo Ribeiro na semana passada (18) já havia sido um baque sério no que diz respeito ao movimento criativo de nossa nação, pois pesava sobre os ombros do autor baiano a escrita que vira e mexe era avaliada como uma herdeira da forma de Jorge Amado escrever, bem como também da comprovada riqueza estilística de romances como “Sargento Getúlio”, “O Sorriso do Lagarto”, “A Casa dos Budas Ditosos”, “Diário do Farol” e “Viva o Povo Brasileiro”.

A carreira literária de mais de cinquenta anos de Ubaldo Ribeiro se misturava com sua paixão pela música e sapiência com que publicava suas crônicas para inúmeros jornais ao longo dos anos. Uma perda irreparável que parecia ser a mais sentida para o ano em que a Bienal do Livro volta a São Paulo.

Não passaram 24 horas para que o arregalar dos olhos dos amantes pela boa escrita se marejassem novamente. Foi no dia 19 que Rubem Alves sucumbiu ao problema que já vinha lhe debilitando a parte física havia alguns anos.

Infelizmente, o psicanalista, pesquisador da área da educação, teólogo e profícuo escritor já não fará mais as provocações que realizava com relação ao mundo educacional brasileiro.

Rubem Alves podia ser meio utópico numa grande parte das coisas que discutia, mas ainda possuía a qualidade de debater sobre temas que são relegados ao último plano neste país que não liga a mínima para a melhoria da Educação.

Dessa forma chegamos a uma nova semana atordoado por essas duas perdas, mas a principal delas ainda estaria por vir.

Eis que ontem Ariano Suassuna teve seu descanso final confirmado.

O Idealizador do Movimento Armorial e autor de obras como “Auto da Compadecida”, “O Romance d’A Pedra do Reino” e o “Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, foi um dos maiores defensores da cultura do Nordeste do Brasil, além de ter sido secretário da Cultura de Pernambuco nos anos 80.
Além disso, era um palestrante genial que falava manso, mas que possuía opiniões fortes e contundentes. Um verdadeiro frasista e autor de passagens inesquecíveis na história da literatura nacional.

Vão-se, portanto, três grandes nomes de nosso círculo cultural e a reposição se torna impossível de ser realizada.

Uma pena que os homens se extinguem, mas um alento saber que suas obras prosseguirão para sempre.

A Bela e o Fera: A doidinha Miley e o talentoso Pharrell

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Não é de hoje que venho aprovando a mudança de rota da ex-Disney Miley Cyrus.

E menina amalucada é um pouco mais do que isso, senão não teria tido vida muito longa nos estúdios do Mickey Mouse e nem teria feito sucesso entre crianças e adultos nos últimos anos.

A última guinada musical com o disco Bangerz (2013) e a posterior turnê homônima também comprovaram a capacidade de talento da garota para cantar e para provocar polêmicas, afinal de contas ninguém é de ferro, não é mesmo?!

Pois bem, depois de chamar ao seu palco o igualmente maluco, mas infinitamente mais gênio, Wayne Coyne (Flaming Lips) para cantar o clássico “Yoshimi Battles the Pink Robots e aparecer todo dia na página do Facebook dando beijinho em algum de seus cachorros, a menina se aventura agora numa outra parceria que aparenta ser certeira em todos os sentidos.

O novo Midas da música pop americana, Pharrell Williams lançou ontem o vídeo para “Come get it Bae” que conta com a participação de várias garotas fazendo caras e bocas para o cantor. Uma dessas tietes é justamente Miley, ajudando no refrão e que parece ter se divertido ao participar do filme.

Pharrell, por sua vez, continua colhendo os louros pela ótima participação no último álbum do Daft Punk e pelo sucesso da trilha sonora de “Meu Malvado Favorito 2”.

“Come get it Bae” é uma das faixas do disco “G I R L”, lançado pela Columbia Records em março deste ano e seu primeiro trabalho solo desde “In my mind”, de 2006.

Um caso típico de unir o útil ao agradável: Miley surfa numa nova onda que está fazendo bem a ela e à sua carreira e Pharrell aproveita o sucesso de seus hits para se manter na mídia pela qualidade de seu som. Tudo isso sem necessitar de apelos que outros colegas do rap realizam. O cara é show!

Veja o vídeo abaixo:

Royals em sua milionésima versão, dessa vez com Jack White

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Acredito que só mesmo Carlinhos Brown não fez uma versão fofa do hit de Lorde, até por que se o cantor baiano, conhecido pela “sorte” que dá a qualquer evento do qual participa, tivesse feito isso, alguma tragédia já deveria ter acometido a menina neozelandesa.

Dessa vez, para o delírio dos modernosos e das viúvas do White Stripes, o guitarrista, ativista musical e músico pouco convencional Jack White resolveu dar uma cara mais folk para a música que ficou interessante nessa nova roupagem.

De qualquer forma, o cara não está para brincadeira não.

O cover de Lorde aconteceu durante o show em Milwaukee, mas o trabalho prossegue hoje em Chicago, dia 26 em Newport, 27 em Pittsburg, duas datas posteriores em Detroit para depois subir um pouquinho mais no final do mês em direção a Toronto, Canadá.

Ah, e um detalhe precioso sobre todas essas datas: tudo sold out!

O rapaz está fazendo esse sacrifício todo para terminar a turnê do disco “Lazaretto” na America do Norte ainda em setembro para dar uma pausa de um mês e retornar com tudo em novembro na perna europeia dessas apresentações.

Veja abaixo o momento em que Jack faz o cover de Royals:

“Coraline”, de Neil Gaiman, é a nossa Alice dos tempos atuais

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O escritor Neil Gaiman é um mestre em criar ambientes escuros, soturnos e cheios de influência gótica e elementos do terror do século XIX.

Os personagens consagrados do autor inglês, prioritariamente criados para suas HQs, têm uma mistura da personalidade mais introspectiva com a profunda capacidade de analisar a alma humana.

Então, por causa disso, toda vez que nos deparamos com alguma de suas histórias sempre há a curiosidade com o espírito desses protagonistas.

Normalmente, eles possuem missões, mas sua insatisfação com as condições de sua realidade os dividem entre a necessidade e a vontade. São pessoas que sonham coloridamente ao mesmo tempo em que vivem pesadelos apavorantes em suas vidas entediantes.

Quando fixamos os olhos em “Coraline” (Editora Rocco) não há como não perceber alguns desses elementos.

A menina-protagonista é a filha única da família Jones, mas acha sua rotina um tédio total. Mais do que isso, por ter uma personalidade perscrutadora, não admite que seus pais a prendam dentro de casa quando lá fora há uma infinidade de coisas a serem exploradas.

Eles acabaram de se mudar para um antigo casarão que, por causa de seu tamanho gigantesco, foi dividido em três partes para que houvesse a possibilidade de comportar mais moradores. A arquitetura antiga e os vizinhos incomuns atiçam ainda mais a curiosidade da garota que encontra num poço distante da casa o eventual ponto a ser explorado.

Mas é mais adiante, quando Coraline passa a realizar uma pesquisa solicitada por seu pai das portas e janelas de sua nova moradia, que ela se depara com uma exploração mais empolgante. A existência de uma porta que não dá a lugar algum faz com que a menina Jones se aventure por lugares nunca antes pensados por ela.

“Coraline” trabalha a capacidade do ser humano em fugir de sua vida cotidiana e a eterna busca por uma rotina mais excitante.

Trata-se de uma estória que encontrará algumas semelhanças com contos mais antigos, notadamente “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll e “O Mágico de Oz”, de L. Frank Braum, por conta da realidade paralela que Coraline encontrará do outro lado da misteriosa porta, algo que se parece mais a um sonho perfeito pelo fato de ter pessoas que a garota conhece com uma personalidade que ela gostaria que eles tivessem desse lado de cá da porta, mas só no primeiro momento.

Além disso, mais outros tantos aspectos da obra também podem ser comparados a contos de Edgar Allan Poe e contos de fadas da idade média europeia pela possibilidade de um destino trágico se tornar real caso a menina não tenha uma atitude ativa para escapar dos problemas que a atingem.

Enfim, um conto interessante do ponto de vista argumentativo já que trabalha com situações mais próprias do mundo adulto para poder estabelecer uma estória voltada também para crianças.

O mundo do outro lado da parede que parecia ser um sonho dos mais agradáveis vai se moldando numa realidade sombria que só pode ser desfeita pela própria Coraline e atitudes mais próximas daquelas que ela mesma repudiava em seus pais terão que ser usadas por ela para se safar e salvar a quem ama.

A obra é ilustrada por Dave McKean de uma maneira que ele mantém as características dos livros de Neil Gaiman com todas aquelas formas menos humanas e mais fantasmagóricas e desconexas com os corpos da realidade vista pelos olhos, o que nos aproxima sempre de uma vista embaçada, uma alucinação.

A tradução fica a cargo de Regina de Barros Carvalho que realiza um bom trabalho por favorecer a continuidade de palavras e expressões que mantem o clima obscuro da obra.

Mesmo assim, ainda continua sendo uma estória que funciona bem com os pequenos por ter essa facilidade na comunicação e no jeito de explicar os acontecimentos. Também tem fôlego para amarrar a atenção dos jovens e não deixa de ser uma agradável leitura até para os maiores.

Nick Cave, o rei da balada!

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Há muito tempo que já deveria ter algum disco de Nick Cave nessa sessão de álbuns clássicos, mas a dúvida sempre recaía sobre qual bolacha constar nesse quesito de obra inabalável.

A resposta é obviamente difícil já que todos os trabalhos do músico com sua banda Bad Seeds são impecáveis tanto na produção quanto na qualidade das canções.

“Your Funeral… My Trial” tem seu charme, “Let Love In” é arrebatador, “Nocturama” é um trabalho de excelência, além do último “Push the Sky Away” que é lindíssimo. Tudo isso só para ficar em poucos exemplos.

A questão é que não pude fugir da alma que “Murder Ballads” possui e o sentimento que provoca em seus ouvintes é de arrepiar. O disco é espetacular do início ao fim e ainda se utiliza de ótimas parcerias do cantor com P.J. Harvey (naquele momento em um relacionamento com ele), Shane McGowan e Kylie Minogue.

Para completar, o trabalho da Bad Seeds é formidável e não há o que dizer sobre a instrumentação utilizada em sua produção.

Tratando-se de um disco de baladas, é de se imaginar que isso simplificaria o trabalho pelo uso de equipamentos acústicos, mas não é o que ocorre com o álbum. A utilização de violões acústicos é óbvia, mas também há na sincronia com a voz de Cave o piano, o órgão tradicional, o órgão Hammond maracas, tamborins, elementos de percussão, bells e uma infinidade de tantos outros.

A capa soturna, pincelada com cores frias, retrata uma casinha no meio de um lugar ermo e distante no centro de alguma floresta coberta pela neve. O sentimento que ela passa é o mesmo que o da música do álbum: uma sensação de solidão e tristeza por uma saudade de algo que não volta mais. Sim, é um disco extremamente para baixo, mas de uma qualidade incrível.

A produção ficou a cargo de Victor Van Vugt e dos integrantes da Bad Seeds e saiu pela Mute Records em fevereiro de 1996. Os trabalhos em estúdio duraram cerca de 3 anos e isso se traduz no cuidado com que o disco é entregue a que o escuta.

Tudo começa com “Song of Joy”, uma narração de Nick seguida por um trabalho de percussão forte que parece uma introdução longa sobre o que será o disco todo.

A seguir, há a balada “Stagger Lee” que possui um trabalho de guitarra rasgada numa batida que hipnotiza, além de um baixo intocável e uma bateria contida segurando a onda para que o senhor Cave vocifere sem ser necessário gritar. Alguns efeitos sonoros durante a canção garantem também um tom inquieto.

“Henry Lee” é simplesmente o encontro de dois artistas inigualáveis no cenário musical mundial. A parceria entre Cave e P.J. Harvey é bela e ao mesmo tempo tensa. O trabalho do piano apenas dá a ambientação necessária para que os dois cantores duelem durante a canção que conta uma história triste sobre o romance impossível do personagem-título. Junto a isso há apenas uma percussão quase imperceptível. Ah, é o videoclipe é lindo!

A belíssima “Lovely Creture”, que parece ser uma ode à musa P.J. Harvey, vai se intensificando como uma mistura entre os órgãos que aparecem ao fundo, o piano contido e o backing vocal suave feminino que preparam o terreno para as guitarras, as maracas e o vocal cavernoso de Nick.

A quinta música do álbum é um conto de fadas que, assim como todas as outras músicas do disco, parecem sempre retratar outro tempo, por conta não só de sua ambientação, mas pela presença sempre de um discurso bucólico, pastoril que Nick Cave leva adiante. A parceria agora é com a cantora pop Kylie Minogue e o uso de violinos e harpas só dá um tom triste e soturno para a canção sobre a mulher que virou uma rosa.

A tensão está presente desde o início da canção e a voz suave e doce de Minogue funciona muito bem ao fazer diferença ao tom grave que Cave empenha. Uma das melhores baladas já feitas por um compositor nos últimos tempos.

“The Curse of Millhaven” é um longo relato sobre a maldição que tomou conta da cidadezinha de Millhaven. O caos que se instala com uma série de instrumentos sendo tocados de maneira desorganizada no início da música logo se transforma numa balada bem ao estilo do velho oeste americano do século XIX. Algumas ferramentas sonoras auxiliam nesse ambiente empoeirado como os violinos e o baixo batido com força, além do piano Hammond. A bateria é forte e densa casando perfeitamente com a narração amalucada de Cave. A música mais pesada e rápida do disco.

“The Kindness of Strangers” é uma volta à depressão numa baladinha bem interpretada e acompanhada pela Bad Seeds.

Por outro lado, “Crown Jane” se baseia numa pegada de jazz reinterpretando o tradicional folk americano. Sei que não precisa mencionar, mas é mais uma prova da competência e variação com que os instrumentistas da banda de Nick Cave trabalham.

“O’Malleys Bar”, a penúltima do álbum, é uma narração em que o vozeirão de Nick se suaviza mais para ser acompanhado por um órgão e um baixo pesadão. Por ser a mais comprida música de “Murder Balads”, serve também para uma demonstração de virtuoses durante seus mais de quatorze minutos.

Por fim, um dos temas preferidos do disco e de Nick, a morte, volta a atuar em “Death Is Not the End”, adaptação da obra original de Bob Dylan. Bonito ver como Nick coloca sua personalidade na música e ainda há a ajuda dos vocais de outros membros da banda, Kylie Minogue e Shane MacGowan (ex- Pogues).

Dessa forma, dizer que estamos diante de um clássico da história fonográfica parece natural para uma banda que sempre fez seus discos sem estardalhaço e sempre provou realizar trabalhos de excelência.

“Murder Balads” recebeu alguns prêmios da indústria musical como o ARIA Awards pelo dueto com Kylie Minogue em “Where the Wild Roses Grow” considerado o melhor do ano de 1996 e Nick Cave foi nominado com um dos melhores cantores daquele ano no MTV Awards.

Abaixo a lista completa das músicas em ordem de execução no álbum

1 – “Song of Joy”
2 – “Stagger Lee
3 – “Henry Lee”
4 – “Lovely Creature”
5 – “Where the Wild Roses Grow”
6 – “The Curse of Millhaven”
7 – “The Kindness of Strangers
8 – “Crow Jane”
9 – “O’Malley’s Bar”
10 – “Death Is Not the End”

Stagger Lee

Henry Lee

Where the Wild Roses Grow

Crow Jane

Death is not the End