“O dia em que o Rock Morreu” é um livro para quem está disposto a compreender

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Eu tenho uma relação de amor e ódio com André Forastieri desde os áureos tempos da Revista Bizz.

Explico: o Forastieri é um jornalista especializado na cultura jovem que não realiza concessões com bandas e artistas de nenhuma categoria. Ele emite sua opinião e não omite nada durante a crítica. Pode soar pesado a alguns, mas nunca pode ser considerado tendencioso.

Naquela época em que eu assinava a Bizz aguardava ansiosamente pela chegada da revista para analisar qual era o disco do mês que seria resenhado pelo tal jornalista. Ás vezes, ficava emputecido, em outras apenas concordava.

O tempo foi passando, eu amadureci como pessoa e como analista de arte ao mesmo tempo que passei a concordar mais com Forastieri e perceber nele uma parcela da imprensa que falta por aqui no Brasil.

Adoro odiar os textos dele, pois a partir deles eu consigo visualizar uma terceira via de entendimento no objeto de discussão.

Já são celebres alguns artigos do André sobre inúmeros assuntos, mas vou citar apenas três:

* O primeiro dizia respeito ao ídolo do metal Ronnie James Dio, um dia após a morte dele. Qualquer fã esperaria uma ode ao cantor já que sua contribuição ao rock não é das menores. Pois foi exatamente o contrário que se deu no texto do jornalista.

Provavelmente, deva ter sido o dia em que mais gente odiou o Forastieri por conta de sua avassaladora análise dos fãs do roqueiro, mas ninguém pode desqualificar o texto já que ele estava cheio de verdades sobre o comportamento dos metaleiros.

* o segundo texto do qual me lembro era acerca do filme “12 Anos de Escravidão”. André desce a lenha na película ao afirmar que essa é o inverso do que estava vendendo ao público. Havia no filme, segundo o jornalista, um preconceito muito maior do que qualquer outro realizado por um branco. Forastieri lista, inclusive, uma série de motivos para não assistir ao ganhador do Oscar deste ano. Desceram o pau em André mais ainda pelo fato de que ele mesmo dissera que não havia assistido e nem assistiria ao filme.

Pois bem, dias após o artigo dele sai uma matéria na imprensa americana com um perfil e uma entrevista do roteirista do filme, mostrando o quanto ele era um “branco” disfarçado de negro e como isso afetava o resultado final do filme. Mais um ponto para André.

* o terceiro texto polêmico de Forastieri dizia respeito ao Lobão e ao Mano Brown. Era um texto repleto de detalhes de como o discurso do cantor filho dos anos 80 do rock brasileiro se tornou um marqueteiro cheio de rancor com a esquerda. A análise sobre a briga dos dois artistas promove uma discussão acerca do momento da música nacional e também a respeito das decisões do movimento contra e pró governo. Não foi contra nem a favor de nenhum dos dois cantores, apenas listou o que acontecia, analisou aquilo que achava razoável em cada declaração de ambos e ponto.

Desse modo, não ha como passar despercebido o lançamento do livro “O Dia em que o Rock Morreu” (Editora Arquipélago).

Segundo palavras do próprio André Forastieri, trata-se de uma obra para “pregar o último prego no caixão de um mundo que se foi. Para enterrar meu passado – e celebrá-lo”.

Quem não gostou tanto do título quanto do conteúdo do livro é por que não o leu de verdade.

O livro do jornalista, atualmente ativo com uma coluna muito boa no site R7, é para ser compreendido, é para ser degustado com amor e ódio e engolido aos poucos.

Não é fácil pedir isso para as viúvas do Kurt Cobain ou para os metaleiros que não entenderam o artigo sobre o Dio, mas não custa lembrar que o rock da maneira como o conhecemos décadas atrás não existe mais mesmo. É mais do que uma provocação vazia do autor, torna-se um produto de estudo para que as futuras gerações pesquisem e analisem o que de fato mudou nesse período.

O livro reúne 40 textos curtos do jornalista desde os anos 1990, e perpassa a carreira de Forastieri pelos locais onde trabalhou. Desde a já citada Bizz, passando pela Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Portal G1, Revista General e o atual R7.

A seleção de textos é ótima e condensa justamente o que Forastieri possui de melhor: sua acidez e facilidade para produzir boas críticas num espaço curto de linhas. Não chega a ser um mestre da escrita jornalística como o era Paulo Francis, mas já chega a picos próximos do cronista já falecido, pois é detentor de uma verve difícil de encontrar. Soa muitas vezes como um provocador, mas sabe se explicar para não ficar apenas na análise pesada.

Ele situa toda a trajetória da música jovem durante a sua carreira através das diversas mortes que acompanharam o nicho. Os artistas que não completaram 30 anos, as gravadoras que não se sustentaram durante esse período, a internet que matou a venda de CDs, a pirataria que advém da explosão da WEB e até o rock brasileiro que para ele “nunca foi rock”.

Quem não entendeu André até agora pode ser que não tenha nenhuma alteração com a leitura do livro. mas quem está aberto ao diálogo pode se deliciar com a força de sua escrita e da facilidade de suas palavras demonstrarem o que quer dizer.

Portanto, dê uma chance para este livro, leia-o!